Podemos situar historicamente a Guerrilha do Araguaia no período mais conflituoso da ditadura militar brasileira. Entre o final dos anos sessenta e a primeira metade da década de 70, militantes políticos resolveram partir para a luta armada a fim de enfrentar as forças do exército defensor do regime ditatorial e promover a instalação da revolução socialista, partindo de um levante popular camponês.
Às margens do Rio Araguaia, este episódio contou com a efetiva participação dos membros do partido comunista do Brasil, que optou – diante da forte repressão ocorrida nas cidades – por privilegiar como tática a principal guerrilha brasileira no campo. Contando inicialmente com 70 guerrilheiros, conquistaram uma abrangência territorial de sete mil quilômetros quadrados e chegando a formar três destacamentos.
O povo da floresta solidarizou-se com os guerrilheiros. Mas não se tratava de uma solidariedade revolucionária nem evitou o aniquilamento da guerrilha. O Exército, a Aeronáutica e as polícias federal e estaduais, ajudados pelos capangas das multinacionais e dos latifundiários, “aprenderam” a lutar.
Para combater a Guerrilha do Araguaia, o exército fez três campanhas, entre abril de 1972 e janeiro de 1973, empregando certa de dez mil homens. O número de soldados, o pesado armamento envolvido e a duração do conflito levaram muitos a pensar que se tratava de uma guerra civil no Pará.
As tropas federais não pouparam sequer os índios. Os suruís tiveram a sua aldeia “desmontada” e cortada por uma estrada para tráfego dos veículos militares; muitos deles foram forçados a servir de “guias” na selva.
Apesar dos grandes esforços de resgate da memória daquela época, ainda existem muitas questões que permanecem desconhecidas por boa parte da população. Nós do Cine Molotov tratamos de contribuir neste sentido, trazendo ao público o vídeo-documentário Araguaia: campo sagrado, filme do realizador Evandro Medeiros que aborda a perspectiva de pessoas simples que presenciaram a repressão e nos proporcionam pelo menos uma ideia deste obscurecido passado para que possamos refletir criticamente a respeito.
Camponeses, poceiros e combatentes mostram, através de seus depoimentos, as vivências sofridas, os sentimentos de indignação e pensamentos sobre a justiça que compõem as lembranças dos fatos. Tomados como terroristas, bandidos, inimigos da pátria, muitos guardam sequelas físicas e psicológicas irreparáveis. Massacres, torturas, assassinatos covardes, sequestros, mutilações, abusos dos mais variados tipos, corpos desaparecidos... fazem parte dos “crimes de guerra” que, na verdade constituem violações as leis da humanidade, portanto imprescritíveis, seguem ainda impunes.
Leonardo Sampaio – Psicanalista, membro do Cine Molotov
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