sábado, 15 de agosto de 2015

Texto produzido para a sessão do filme Utopia e Barbárie

"O humanismo, a necessidade da arte e o destemor das revoluções moveram gerações no século XX. Este filme é um recorte de histórias pós segunda guerra mundial, quando artistas, guerrilheiros, revolucionários se encontraram numa festa libertária. Muitos pagaram com suas vidas, outros com suas artes... sonharam e viveram lutando por um mundo melhor”.
Temos o prazer de realizar a exibição do documentário histórico UTOPIA E BARBÁRIE (2009), um trabalho primorosamente complexo do diretor Silvio Tendler que levou duas décadas para ser produzido, filmado em quinze países e incrementado com recortes de grandes obras do cinema, bem como cenas de fatos históricos registrados.
O autor é também, em alguns momentos, narrador e ao mostrar sua perspectiva, nos dá uma ideia do que procurou mostrar neste longa metragem. Tendler afirma ter aprendido num filme do cineasta francês Jean-Luc Godard que sendo a fotografia uma verdade, na filmagem essa verdade passar a ser exposta vinte e quatro vezes por segundo. Seu insight foi compreender que a fotografia era apenas uma imagem e o cinema uma verdade editada. Assim, o “cineasta dos vencidos”, como é conhecido, nos revela a perspectiva de um sujeito nascido e criado no chamado século da imagem, sendo bombardeado pela cultura de massa, que, no entanto, optou por seguir em contra-fluxo fazendo cinema engajado, com linguagem crítica, de forma impactante e independente. Sua arte é sua resistência. Sua obra é espelho dos fantasmas que perduram no tempo e ainda assombram. Ele traz com sensibilidade e realismo uma resposta as injustiças, as opressões, as barbaridades. Atento a importância da memória, lança luz, tanto nesta, como em outras do mesmo gênero, sobre as sombras recalcadas do passado que voltam hoje de maneira sintomática.
Conhecer a história é fundamental, pra quem quer discutir história e, sobretudo, pra quem quer interferir no mundo futuro, pra quem quer produzir outro mundo. Aqui é onde nós focamos nas trevas do passado afim de observar e discutir, pois a memória é um espaço político, como bem diz um dos entrevistados. Devemos preservar, conhecer as informações “inconvenientes” que querem ocultar, que tentam esconder, que querem anestesiar. Outro entrevistado fala justamente a respeito dessa experiência mental de transitoriedade num fluxo temporal: Nosso pensamento parte do presente, se dirige ao passado, reflete como um espelho e se dirige ao futuro”. Campo das utopias que ao buscarmos, temos nos deparado com as barbáries. A construção de utopias faz parte da arte de nutrir os sonhos da vida e, nesse sentido, a compreensão do espírito do tempo precisa ser realizada.
Confira, tudo que respira... conspira.
Tudo é vago e muito vario.
Meu destino não tem siso.
O que eu quero não tem preço
Ter um preço é necessário e nada disso é preciso.
Isso de querer ser exatamente aquilo que a gente é...
Ainda vai nos levar além. (Paulo Leminsky)
Num período de choques políticos e psicológicos profundos veio 1968 – o ano mais orgasmico da história – deixando muitas marcas de lutas, passeatas, protestos estudantis, operários, camponeses, revolução de costumes, experiências libertárias, numa ebulição mundial, animados pelas mesmas ideias, pelos mesmos desejos. Diante das sementes da rebelião, a repressão se fez presente de vários modos, massacrando... usurpando direitos... interrompendo a trajetória de luta pela conquista da liberdade.

Leonardo Sampaio – Psicanalista, membro do Cine Molotov  

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